Foto: Bruno Concha
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Pela segunda vez, Salvador fará o reconhecimento de um templo religioso de matriz africana como patrimônio cultural da cidade. O beneficiado da vez é o terreiro Ile Aşé Kalè Bokùn, na Rua Antônio Balbino, 98A, em Plataforma, que receberá o ato solene de tombamento municipal pela Prefeitura nesta terça-feira (12), às 17h. O vice-prefeito Bruno Reis, que também é secretário municipal de Infraestrutura e Obras Públicas, estará presente.

O pedido de tombamento do Kalè Bokùn foi oficializado junto à Fundação Gregório de Mattos (FGM), em fevereiro de 2016, pela Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA). “O grande diferencial de nosso culto é ser um terreiro de nação Ijexá, que já não existe na cidade e, talvez, no Brasil. O destaque é o toque do atabaque, que se diferencia das demais nações, utilizando instrumentos de dimensões distintas e os fundamentos para o segredo e o sagrado, que se utiliza da riqueza da nação ijexá”, explica a ialorixá do terreiro, Vânia Amaral.

Na proposta de tombamento do templo, foi ressaltado ainda que o terreiro possui rituais específicos que exaltam o poder ancestral feminino, por meio do culto Geledé. Além disso, possui importante patrimônio ambiental envolvendo fonte, centenárias árvores como a frondosa gameleira que chama a atenção no local, e plantas sagradas.

“De modo geral, vale ressaltar nossa persistência em cultuar os deuses trazidos pelos negros aqui escravizados, perseguidos e desrespeitados ao longo dos tempos, mantendo sempre nossa fé e nosso espírito de resistência. Por isso, é de grande importância ver os esforços de nossos antepassados serem recompensados com preservação, segurança e cuidados, para a questão cultural e afetiva da cidade”, completa Vânia.

Processo – O pedido de tombamento foi feito a partir do Laudo Etnohistórico do Kalè Bokùn, fruto de rica pesquisa do professor Vilson Caetano que revela elementos importantes acerca da presença dos africanos ijexá em Salvador. Foram ainda entregues plantas baixas dos imóveis que compõem o terreiro e registros acerca do estado de conservação. Em seguida, para instrução técnica do processo com vistas a atender a regulamentação da Lei Municipal nº 8550/14, foi feito um levantamento topográfico pela Superintendência de Obras Públicas de Salvador (Sucop) e georreferenciamento do terreno pela Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz).

As informações resultaram em um parecer com avaliação preliminar, encaminhado para apreciação do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, vinculado à FGM. Após aprovação do Conselho, em setembro último, foi aprovada a inscrição no livro de tombamento e o título ao Ile Aşé Kalè Bokùn de Patrimônio Cultural do Município de Salvador.

Importância – Para a diretora de Patrimônio e Humanidades da FGM, Milena Tavares, o tombamento do terreiro Ile Aşé Kalè Bokùn preserva elementos de referência da tradição Ijexá, presentes na cidade. “A casa é referência da memória do babalorixá Severiano Santana Porto, que implantou o templo no Subúrbio Ferroviário, nos primeiros anos do século passado, assim como daqueles que deram continuidade ao trabalho – Claudionor dos Santos Pereira, Estelita Lima Calmon e a atual ialorixá Vânia Amaral. O templo vincula-se à história do bairro de Plataforma, um dos mais antigos de Salvador, local de grande expressão da população afrodescendente e de concentração de casas de candomblé”, afirma.

Demais tombamentos – O tombamento municipal de elementos culturais em Salvador está presente na Lei Municipal 8.550/2014, que institui normas de proteção e estímulo à preservação do patrimônio cultural do município, e dá outras providências. É parte integrante do Salvador Memória Viva, programa de atividades de proteção e estímulo à preservação dos bens materiais e imateriais do município desenvolvido pela Prefeitura, através da FGM.

A primeira ação da lei foi o reconhecimento do conjunto monumental do terreiro Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, ou Vodun Zô, na Liberdade, em janeiro de 2016. Dentre os motivos elencados no pedido de tombamento estiveram problemas com a especulação imobiliária, invasão de terreno com derrubada de árvores, dificuldade de manutenção das instalações físicas e depredação da fonte. O critério raridade do culto também foi levado em consideração, pois o Vodun Zô é o único da nação Jêje Savalu, mantendo originais os ritos dessa linhagem, bem como o dialeto africano Ewe-Fon preservado nas expressões, cânticos, rezas e no cotidiano dessa comunidade.

Em maio do mesmo ano, foi realizado o tombamento da Pedra de Xangô e da área considerada Sítio Histórico do Antigo Quilombo Buraco do Tatu. A medida foi justificada pelo valor dos remanescentes naturais locais (massa verde e manancial hídrico), além de ser um espaço de memória e referencial simbólico ao que se considera sítio histórico do antigo Quilombo do Buraco do Tatu. Devido à característica peculiar da área, que serve ao culto do candomblé, foi apropriada pela população de terreiros que reconheceram e autenticaram-na como sagrado.

A estátua de Jesus Salvador (Cristo) na Barra, bem como Morro do Cristo, foi tombado em março de 2017, durante as comemorações do aniversário da cidade. Dentre os elementos elencados estão a própria estátua, traduzida em uma obra de caráter religioso e que resguarda valores da cultura local, assim como os simbolismos como bênçãos à cidade, fé cristã, proteção e paz. Além disso, a proximidade do centenário da existência, a transformação em cartão postal e o significado desse conjunto para a “Bahia de São Salvador”, enquanto marco de importância urbanístico-paisagística, reforça e enaltece a necessidade de garantir a permanência no sítio onde está localizada.

Estão em processo de tombamento material a Casa de Retiro São Francisco, em Brotas; a Igreja Senhor Bom Jesus dos Aflitos, no Largo dos Aflitos; a casa onde morou Carlos Marighella, em Nazaré; o Marco de Fundação da Cidade do Salvador, no Porto da Barra, e 16 obras de Carybé distribuídas pela cidade. Já na esfera do Patrimônio Imaterial, o primeiro Registro Especial foi concedido ao ritmo, música e movimento do Samba Junino, que passou a ser considerado Patrimônio Cultural de Salvador, conforme Decreto 29.489/2018.

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